Defensora pública Letícia Furtado é a nova coordenadora do Nudiversis

 

Entrevista: Letícia Oliveira Furtado

“Queremos que o Nudiversis seja cada vez mais reconhecido com um espaço legítimo da população LGBTI”

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite às pessoas trans a alteração do nome e do sexo no registro civil diretamente nos cartórios, sem necessidade de ação judicial, impactou no volume dos atendimentos prestados pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O número de pessoas que procuram atendimento para a requalificação civil subiu de seis por semana para seis por dia. Quem revela esse aumento é a defensora pública Letícia Oliveira Furtado, a nova coordenadora do Nudiversis. 

Ela assumiu a função recentemente, em substituição e auxílio à defensora Lívia Casseres, que há quatro anos acumulava a coordenação do Nudiversis e do Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora). Na mesma ocasião em que assumiu a coordenação do núcleo, em agosto, também foi eleita presidenta do Conselho Estadual do Direitos da População LGBT.

Em entrevista, Letícia conta que a mudança na coordenação do Nudiversis ocorreu em consequência do aumento da procura por assistência no núcleo. “A população LGBTI vem procurando cada vez mais a Defensoria Pública, através do Nudiversis, em busca dos seus direitos. Queremos continuar fazendo com que o nosso espaço seja reconhecido como um espaço legítimo dessa população”, afirmou.

Qual a razão da mudança na Coordenadoria do Nudiversis?

Há quatro anos a defensora Lívia Casseres acumulava as coordenações do Nudiversis e do Nucora. O Nudiversis trata a pauta LGBTI, uma pauta que vem crescendo muito e que vem demandando cada vez mais atenção. Isso trouxe um aumento de atendimentos para o núcleo. Então, a Lívia sentiu necessidade de uma pessoa para dividir o trabalho. Eu já estava aqui, atuando de forma voluntária, desde 2016. Portanto, assumi a coordenação do núcleo devido a uma demanda natural do trabalho e também devido ao meu envolvimento com a pauta LGBTI. A ideia é continuar fazendo com que o Nudiversis seja reconhecido pela população LGBTI como um espaço legítimo dela.

Quais são as principais demandas da população LGBTI atendidas pelo Nudiversis?

As demandas por mudança do gênero e do nome na documentação civil sem dúvida ocupam grande parte da nossa agenda. Atendemos pessoas diariamente em busca dessa requalificação. Além disso, há os casos daqueles que querem tratamentos médicos e hormonais, para fazer a sua adequação corporal ao gênero com o qual se identificam. Atendemos casos de transfobia e de homofobia. Já temos também alguns casos que envolvem pessoas intersexo (pessoas que nascem com uma variação biológica que não se enquadra na definição típica de sexo feminino ou masculino podendo, por exemplo, ter genitália ambígua) e que vêm sendo trabalhados de forma individual. A pauta dessas pessoas também nos sensibiliza muito. Se para as pessoas trans existe pouca proteção jurídica, para as intersexo há menos ainda. Porque a pauta tem pouca visibilidade. A ideia é tratar essa questão de uma forma menos individual e mais coletiva. 

Em março, o STF decidiu que a alteração do nome e do sexo no registro civil deve ser feita diretamente nos cartórios – sem a necessidade de uma ação na Justiça e nem de cirurgia. Qual o impacto dessa decisão no número de atendimentos prestados pelo Nudiversis às pessoas que desejam essa mudança?

Sem dúvida essa decisão facilitou muito, agilizando o procedimento, e as pessoas se motivaram. Antes, como era necessária a intervenção da equipe técnica (psicóloga e assistente social), atendíamos cinco pessoas por semana nessa pauta da requalificação civil. Agora, realizamos seis atendimentos por dia, em média. Esses atendimentos são pautados de segunda a quinta-feira e duram, pelo menos, uma hora com cada pessoa. 

Como foi o seu envolvimento com a pauta LGBTI?

O drama das pessoas trans começou a me tocar sete anos atrás quando era titular na 1ª Vara de Família de Resende e trabalhei pela primeira vez num processo de requalificação de nome e gênero de uma mulher transexual. Depois, segui com interesse pela população trans encarcerada. Atualmente, sou titular da 2ª DP de Defesa da Mulher junto ao I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na capital. A pauta da população presa, da população trans e das mulheres são as que mais mexem comigo. Então, para me aprofundar na matéria e me preparar para a atuação com a questão de gênero, fiz pós-graduação em Gênero e Direito, na EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). E decidi fazer o meu trabalho final de curso com base em uma pesquisa de campo que realizei entrevistando 42 travestis e mulheres transexuais no presídio Evaristo de Moraes. 

Como o Nudiversis atua na questão das pessoas trans encarceradas?

Atualmente, participamos de alguns grupos que trabalham a questão das mulheres transexuais e travestis que, por exemplo, estão nos estabelecimentos penais masculinos e que desejam ser transferidas para unidade femininas, que desejam receber tratamento hormonal, a adoção do nome social... No primeiro caso, estamos avaliando a melhor estratégia de efetivar esse direito. Considerando que sabemos que as unidades femininas e seus servidores ainda precisam ser estruturados para receber essas pessoas.

Recentemente você foi eleita presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT. Qual a importância dessa escolha para o Nudiversis?

É preciso esclarecer que o Conselho é formado por representantes de órgãos estatais e por membros da sociedade civil. Essa escolha contribui para atuarmos cada vez mais em sintonia com as demandas da população LGBTI.



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