Aumento de prisões é tema de Ato Público  “Não há Culpa Enquanto Houver Dúvida – Em Defesa da Presunção de Inocência”

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a prisão a partir da segunda instância não ficou restrita apenas a este grau da Justiça. Dados das Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo apontam que as audiências de custódia também foram influenciadas pela nova orientação. Após a mais alta corte do país admitir a execução da pena privativa de liberdade antes do fim definitivo da ação penal, o índice de prisões provisórias decretadas durante o procedimento subiu, em média, 20% e 18% no estado do Rio e na capital de São Paulo. Com isso, a taxa de encarceramento nas audiências de custódia bateu 80% e 68%, respectivamente, nos primeiros meses deste ano.

Os dados serão apresentados no ato público “Não há Culpa Enquanto Houver Dúvida – Em Defesa da Presunção de Inocência”, que acontece a partir das 10h desta terça-feira (11/8), no auditório do segundo andar da Defensoria Pública do Rio (Avenida Marechal Câmara, 314, Centro). O evento, que conta com a participação de Defensorias Públicas de outros estados e de instituições da advocacia e da sociedade civil, mostrará como a decisão do STF, proferida com a finalidade de conferir efetividade às penas impostas às pessoas condenadas por corrupção, fortaleceu a cultura do encarceramento, em prejuízo a toda população. 

A audiência de custódia estabelece a apresentação de pessoas presas em flagrante a um juiz, em um prazo de até 24 horas, para que seja avaliada a legalidade e necessidade de se manter ou não a prisão provisória. Em outubro de 2016, por uma maioria apertada, os ministros do STF autorizaram a execução da pena privativa de liberdade a partir da condenação em segundo grau. Em outras palavras, admitiram a prisão com base na decisão proferida pelos órgãos dos tribunais integrados por desembargadores responsáveis por apreciar os recursos apresentados contra a sentença dos juízes criminais. Isso mesmo nos casos em que ainda são cabíveis recursos aos tribunais superiores. 

De acordo com o levantamento da Defensoria Pública do Rio, a partir da decisão do STF, o índice de liberdades concedidas nas audiências de custódia, que girava em torno de 40%, caiu gradativamente no estado e, em abril deste ano, atingiu o menor percentual: 20%. Em São Paulo, verificou-se situação semelhante. A taxa de libertações média de 50% sofreu redução após o novo posicionamento do STF e registrou, entre fevereiro e junho de 2018, média de 32%. 

Na avaliação do defensor Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública, esses números apontam que a relativização da presunção de inocência, alcançou toda sociedade. 

– O STF reconheceu em 2015 o excessivo uso da prisão preventiva pelos juízes, assim como declarou inconstitucional o sistema penitenciário brasileiro. A orientação aos juízes era clara no sentido de frear a sanha punitivista. Em 2016, o STF contraria essa sinalização ao julgar a medida cautelar da ADC 43/44, flexibilizando a presunção de inocência. Resultado: fortalecimento do discurso encarcerador, acarretando um aumento nas prisões provisórias. O mesmo órgão que disse que as cadeias brasileiras estão em estado de inconstitucionalidade, agora as entulha com mais e mais corpos, negros e periféricos, em sua maioria. Incoerência gritante, geradora de mais violência - afirmou. 

Para o defensor público Mateus Moro, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a pretexto de prender pessoas condenadas por crimes de colarinho branco, as estatísticas revelam, na verdade, a prisão cada vez maior de jovens pobres, mormente negros e sem escolaridade. O defensor lembra que somente em São Paulo há 240 mil pessoas presas - ou seja, 1/3 das pessoas presas do Brasil, em 170 unidades prisionais. 

- Em relação ao crime de tráfico, crime que não envolve violência, os números de manutenção de prisões nas custódias em São Paulo são assustadores: 80%, aproximadamente. É importante destacar, como fez o ministro Gilmar Mendes, quando do julgamento de um habeas corpus (HC) em abril, que, após o posicionamento do STF de 2016, os juízes poderiam interpretar a prisão como sendo automática, embora em nenhum momento o STF tenha dito isso. Ou seja, o STF permitiu a execução da pena em segunda instância, mas não a entendeu como algo automático, obrigatório e em qualquer caso - ressaltou. 

Novo julgamento

A discussão sobre a antecipação do cumprimento da pena de reclusão a partir da decisão de segunda instância deverá voltar ao plenário do STF em breve. Tramita na corte a Ação Direta de Constitucionalidade 43 e 44, movidas pelo Partido Ecológico Nacional e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ambas pedem aos ministros do Supremo o reconhecimento de que a pena só pode ser cumprida após o esgotamento dos recursos. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro e de São Paulo são amicus curiae  – ou seja, atuam como parte interessada nesse processo. 

– O artigo 5º da Constituição é claro: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não há margem para interpretação que reduza o alcance do texto. A presunção de inocência é uma regra civilizatória, que orienta o processo penal como regra de tratamento, como regra probatória. Sua relativização deixa o sistema processual sem paradigma, acéfalo, favorecendo os subjetivismos, os quais, nesse campo do direito, significa mais violência estatal com o recurso da prisão - destacou Emanuel.

 



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