DPRJ do Rio move ação para regularizar assistência à saúde nos presídios. Crédito da foto: Thathiana Gurgel 

 

No ano passado, o número de mortes nas prisões do Rio de Janeiro foi 10 vezes maior que o registrado em 1998 – ano em que foi realizado o último concurso de profissionais de saúde para o sistema carcerário. É o que mostra um levantamento da Defensoria Pública do Estado (DPRJ) produzido para uma ação civil pública contra o governo do estado e a prefeitura do Rio, a fim de requerer uma solução para o problema. Segundo a pesquisa, somente nos quatro primeiros meses de 2018, as penitenciárias fluminenses já contabilizavam 55 presos mortos – ou seja, um total de 2.416 desde o início da contagem.

A ação foi movida no final de julho. De acordo com o levantamento que a fundamenta, em 1998 as prisões fluminenses registraram 26 presos mortos. Em 2017, esse número saltou para 266 – o maior em todo o período analisado. A população carcerária também cresceu: passou de 9 mil para 51 mil no mesmo período. No entanto, segundo explicou o defensor Marlon Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) da Defensoria, a deficiência na prestação de serviços de saúde nos presídios é uma das principais causas da mortalidade.

– É verdade que a população carcerária também aumentou, mas o número de mortes cresceu de forma desproporcional. Além disso, tivemos acesso e incluímos na ação dados de várias pesquisas que indicam que a faixa etária alvo das mortes está morrendo por doenças que aqui fora pessoas da mesma idade não morrem – afirmou o defensor, que assina a ação.

Dentre essas pesquisas, destaca-se uma análise feita pela DPRJ sobre 83 presos mortos entre 2014 e 2015. Desse total, 30 apresentavam sinais de emagrecimento excessivo e desnutrição, segundo o laudo cadavérico. De acordo com o estudo, 53 pessoas morreram de tuberculose, pneumonias e complicações decorrentes de infecções pulmonares, sendo que, desse universo, 35 tinham menos de 40 anos de idade.

A defensora pública Raphaela Jahara, coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da DPRJ, que também assina a ação, ressaltou que outras pesquisas realizadas pela instituição constataram que a maioria das mortes no sistema penitenciário envolve pessoas jovens, portadores de diabetes ou hipertensão. Essas doenças, assim como as decorrentes de problemas respiratórios, poderiam ter sido evitadas por tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde.

– Ficou demonstrado que não há acesso ao tratamento de saúde pelos presos e presas. A Defensoria Pública do Rio busca, nesta ação, que o estado e munícipio garantam o acesso pleno e apliquem recursos nos ambulatórios das unidades prisionais – afirmou a defensora.

Na ação, a Defensoria Pública relata as diversas medidas de cunho administrativo, promovidas pela instituição, para tentar melhorar a oferta de saúde nas prisões – como a que se destina às presas mulheres e que contam com médicos ginecologistas em número insuficiente. Foram narradas das iniciativas individuais, para dar solução a casos concretos, até as coletivas, a fim de beneficiar o sistema como um todo.

Segundo o coordenador do Nuspen, pouco se avançou – inclusive nos anos que antecederam à crise financeira do estado. Para se ter uma ideia, em 1998 o Rio tinha 20 unidades prisionais e uma população carcerária com nove mil presos, que era atendida por 1,2 mil servidores concursados da saúde. Em 2011, o número de unidades prisionais subiu para 41, e o de presos para 28,6 mil. No entanto, a quantidade de profissionais da saúde concursados caiu para 700 – ou seja, quase a metade.

– Ingressamos com a ACP porque entendemos que esgotamos todas as tentativas administrativas possíveis. Foram quase três anos tentando, em reuniões, grupos de trabalho e em pedidos formalizados, convencer as partes, estado e município, a implementar a assistência à saúde, sem êxito – ressaltou Marlon Barcellos.

O coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, Emanuel Queiroz, destacou que o município do Rio de Janeiro não aderiu à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), como recomendado pelo Ministério da Saúde. Mesmo assim, foram diversas as tratativas realizadas pela Defensoria para fazer com que a prefeitura cumprisse sua obrigação constitucional de prestar assistência à saúde às pessoas privadas de liberdade. Todas sem êxito.

Segundo informa ação, em 2015, cerca de 150 pessoas presas aguardavam atendimento oftalmológico sem sucesso, apesar do risco de ficarem cegas e de algumas das solicitações de consultas estarem há meses pendentes no Sistema de Centrais de Regulação (SISREG).

– Atualmente, o que o município oferece é um serviço muito aquém daquele que realmente deveria e poderia oferecer. Então a SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), que é quem primariamente presta esse serviço público de assistência à saúde à população privada de liberdade e já conta com recursos limitados, não tem recebido a devida cooperação de entes e demais órgãos públicos já postos constitucional e legalmente para tanto – afirmou o defensor.

Pedidos

Entre as medidas requeridas pela Defensoria na ação, visando a concretização da PNAISP, destacam-se a implantação, em até 15 dias, de equipes de saúde multidisciplinar nas portas de entrada do sistema prisional, de forma articulada com os municípios, para a elaboração de exames diversos e continuidade do tratamento.

A DPRJ também requereu a lotação de profissionais de saúde nos ambulatórios das unidades prisionais e a elaboração de um Plano de Ação Estadual para Atenção à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade, em um prazo de 30 dias, assim como a disponibilização de ambulâncias nos presídios, abstendo-se o município de bloquear o SISREG relativo à rede conveniada.

 



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