Uma comunidade quilombola de Mangaratiba poderá realizar, a partir desta sexta-feira até domingo (18, 19 e 20), um evento cultural em razão do dia 13 de maio, data em que se reforça a luta contra o racismo, por meio da memória da edição da Lei Áurea, que representa abolição da escravatura no Brasil. O direito à manifestação foi garantido por uma decisão obtida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) em favor dos descendentes de negros escravizados, cujos antepassados se estabeleceram na região desde a década de 1920 e hoje sofrem com restrições ao seu seu direito de ir e vir, ao direito de expressar a cultura e de difundir as tradições quilombolas.

 

O quilombo fica dentro das fazendas Santa Justina e Santa Izabel. Apesar da área ser objeto de um processo de desapropriação em favor das 57 famílias que ali residem, atualmente em tramitação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a empresa que comprou as terras instalou uma porteira, que é vigiada 24 horas. Alguns dos seguranças que fica na entrada andam armados e impedem o livre trânsito dos moradores. 

A defensora pública Lívia Casseres, coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora) da Defensoria, explicou que a comunidade quilombola existe, pelo menos, desde 1920. As famílias descendentes de pessoas negras escravizadas que moram lá vivem da atividade agrícola. 

 

Segundo Lívia, a realização da manifestação cultural em razão da abolição da escravatura, celebrada no último dia 13 de maio, foi comunicada pela Associação dos Quilombolas *aos representantes da empresa*, que afirmaram que não permitiria a realização do ato. 

 

– Essa manifestação é, na verdade, um ato de reconhecimento e afirmação da luta contra a o racismo, que mesmo após a abolição formal da escravidão permanece relegando a população negra brasileira a uma situação de desigualdade estrutural. É um ato político da organização, de resistência e luta por direitos. Eles não têm que pedir autorização para fazer esse evento cultural, mas comunicaram. E mais uma vez essas pessoas que ficam na porteira do imóvel, seguranças privados, oprimiram os quilombolas. Eles lutam há quase 100 anos para terem reconhecido o título de propriedade. A terra é deles – explicou a defensora. 

 

Ao analisar o pedido da Defensoria, o juiz Marcelo Borges Barbosa, da Vara Única de Mangaratiba, afirmou que “é com pesar que, passados 127 anos desde a abolição da escravatura, negros tenham que se valer da Justiça para fazer valer seus direitos.”

 

– Da análise dos autos verifico como pertinente o pedido autoral. Cuida-se de comunidade que luta para que sejam reconhecidos seus direitos sobre a terra que ocupam há quase 100 anos e fazem parte da história deste município e pela manutenção da cultura negra que tanto fez pelo crescimento deste país. Não são raras as informações de conflitos envolvendo os adquirentes da referida fazenda e os órgãos de proteção os direitos dos negros, valendo acrescentar que em matéria recente de jornal de grande circulação, veiculou-se notícia sobre o isolamento imposto pelos adquirentes das terras da Fazenda Santa Justina, aos moradores quilombolas – afirmou o juiz na decisão em que determinou pena de multa pessoal aos Réus que de alguma forma criem obstáculos à manifestação cultural. 

 

Por considerar que a comunidade sofreria prejuízos caso não pudesse se manifestar pela “data marcante na história dos negros no Brasil”, o magistrado determinou “aos réus que se abstenham de impor qualquer obstáculo ao livre trânsito de quaisquer pessoas e veículos convidados pelos quilombolas pela porteira da Fazenda Santa Justina, para participação nas festividades previstas para os dias 18, 19 e 20 de maio de 2018”. 

 

Pela decisão, os réus também não poderão proibir a entrada de objetos, tais como instrumentos musicais, alimentos, peças de decoração, mesas e cadeiras, dentre outros necessários à realização da manifestação. O descumprimento da decisão está sujeito à multa diária no valor de R$ 5 mil.



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