Ministro Luis Roberto Barroso do STF defende a discriminalização da maconha

 

Com ou sem intervenção federal no Rio vale o alerta: as autoridades de segurança pública e a sociedade brasileira precisam encarar o fato de que a atual política de combate às drogas fracassou para pensar conjuntamente em alternativas, destaca o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso. Em palestra na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), na sexta-feira (23), ele defendeu como opção a legalização das drogas e, entre elas, a maconha.

– A minha proposta tem sido a de descriminalizar a maconha e isso não é algo que se faça por decisão judicial. Por decisão judicial você pode avançar um pouco, mas acho que isso deve ser uma política pública e, portanto, a ideia de descriminalizar, como imagino, é tratar como se trata o cigarro: um produto lícito em que é proibida a publicidade, a venda para menores, com pagamento de imposto e regulação estatal. E aí pode-se discutir se é melhor o modelo americano ou o modelo uruguaio: um é estatizado – o estado controla – e o outro é privado, o estado regula – ponderou Barroso, continuando:

– Eu arriscaria um modelo de atividade econômica regulada para a maconha. Não pode ser amanhã, mas também não pode ser daqui a cinco anos. Tem que sentar, pegar as melhores cabeças, as melhores experiências, pegar os modelos praticados no mundo e experimentar. Eu acho que vai dar certo. Se não der, a gente volta atrás: isso não é vergonha. Não posso garantir que descriminalizar vai dar certo, o que eu posso garantir é que a política praticada (hoje) não deu certo. E se der certo com a maconha eu subiria um andar – ressaltou.

No Rio para o lançamento da pesquisa “Tráfico e Sentenças Judiciais – Uma Análise das Justificativas na Aplicação da Lei de Drogas no Rio de Janeiro”, Barroso esteve no auditório da Fundação Escola da DPRJ (Fesudeperj) para falar sobre a política de drogas adotada no Brasil e sobre o impacto dela na realidade do país. Em sua palestra, também fez uma análise sobre o estudo de autoria da Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ que, entre outros pontos, mostrou que a mesma quantidade de droga pode caracterizar tráfico ou consumo pessoal dependendo do local da cidade onde a pessoa estava.

Sobre isso, o ministro chamou a atenção para necessidade de se definir a quantidade que caracteriza tráfico e consumo e disse que “a luta armada contra o tráfico não tem sido vitoriosa” porque o consumo só aumenta. Além disso, destacou o dado apurado na pesquisa de que 74% dos jovens encarcerados por tráfico eram primários e com bons antecedentes e lembrou que esse jovem até então tido como não perigoso, ao ingressar no sistema carcerário, tem que escolher uma facção e ao final da pena sai de lá “muito pior do que entrou”.

- A vaga que ocupou no sistema penitenciário custou R$ 40 mil para ser criada e custa mais de R$ 2 mil por mês para ser mantida. Além disso, no dia seguinte à sua prisão, o tráfico já o substituiu: tem um exército de reserva para entrar. Então, vejam a insanidade dessa política: destruiu a vida dessa pessoa, custou dinheiro à sociedade, ela sai pior do que entrou e não se produz nenhum impacto sobre o tráfico – ressaltou.

 

Dados concretos: pesquisa da DPRJ enriquece debate sobre prisão por tráfico

 

 Mesa debatedora foi unânime:
pesquisa da DPRJ enriquece estudos sobre o superencarceramento por tráfico de drogas.

 

Após a apresentação dos resultados da pesquisa,  uma nova mesa foi formada para debater o tema. O debate contou com a mediação do subcoordenador de defesa criminal da Defensoria Pública, Ricardo André de Souza; e com a participação da antropóloga Carolina Grillo, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ; e do advogado Luiz Guilherme Paiva, coordenador legislativo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Foi unânime o reconhecimento da importância da pesquisa para a realização de análises e estudos mais precisos sobre o superencarceramento por tráfico de drogas.

Na abertura do debate, o defensor público Ricardo André ressaltou que a pesquisa contribui para que análises mais responsáveis sejam realizadas sobre o tema e destacou os dados estatísticos que mostram que apenas uma pequena parte das prisões por tráfico de drogas é precedida de investigação.

— A pesquisa é fundamental para a gente compreender como é o real funcionamento e a operacionalidade prática do sistema Justiça a partir da análise das sentenças para que a gente possa tratar com responsabilidade esse tema que, como o Ministro Barroso coloca, às vezes é repleto de muito preconceito. A gente precisa evoluir no caminho de uma racionalidade que permite compreender isso a partir de dados e estatísticas — disse. Eu destacaria os dados da pesquisa que colocam a prisão em flagrante como a grande maioria dos casos. As prisões precedidas de investigação são apenas 6%. Isso mostra que estamos diante de uma segurança pública reativa e sem inteligência. A qualidade da prova é muito questionável e a credibilidade dos depoentes também deve ser analisada — acrescentou Ricardo André.

Pesquisadora de doutorado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, vinculada ao projeto intitulado “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea”, a antropóloga Carolina Grillo afirmou que a pesquisa apresentada pela Defensoria Pública será muito útil para embasar outras pesquisas sobre o assunto: 

— Eu li o relatório atentamente. Estou muito impressionada com a qualidade do trabalho que foi feito. Tenho certeza de que vai ser um instrumento técnico científico muito útil para embasar uma série de outras pesquisas e, inclusive, embasar também a militância.  Essa pesquisa traz dados empíricos que são de grande valor pra gente refletir como o estado lida com a questão do tráfico de drogas também a partir das sentenças judicias, e não apenas a partir das políticas de segurança pública, que é o foco de atenção da maioria das pesquisas sobre o tema.

A pesquisa sobre tráfico e sentenças judiciais foi produzida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça. À frente da Senad no período em que a pesquisa foi realizada, o advogado Luiz Guilherme Paiva assegurou que os recursos utilizados na pesquisa estão dentre os “mais bem investidos pelo departamento de pesquisa da Secretaria".

O "Seminário Tráfico e Sentenças Judiciais: uma análise das justificativas na aplicação da Lei de Drogas no Rio de Janeiro" foi transmitido ao vivo pelo Facebook da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Acesse a transmissão aqui.

Textos: Bruno Cunha e Elisete Vianna.

 



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