Em aula aberta na Defensoria, criadora do aplicativo Fogo Cruzado defende mudança no tratamento de notícias sobre a violência
 

Há pouco mais de um ano a jornalista Cecilia Olliveira administra o site e o aplicativo Fogo Cruzado, reunindo e analisando informações sobre tiroteios e disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio. Essa experiência e o conhecimento acumulado na chamada mídia alternativa e em organizações não governamentais pautaram a participação da hoje editora da publicação online The Intercept no curso de Sistema de Justiça Criminal em Perspectiva, com a palestra Responsabilidade da imprensa na construção da culpa e a sensação de insegurança, nesta sexta-feira (11).

A dificuldade em obter dados específicos sobre uso de armas de fogo levou à ideia das plataformas digitais, abertas a notificações de toda e qualquer pessoa que presencie ou tenha notícias de tiros, em confrontos ou não. Outras fontes são o material produzido pela imprensa e os relatórios das autoridades de segurança.  Site e aplicativo recebem, em média, 15 informes diários de ocorrência, o que Cecilia considera estar muito aquém da realidade.

– A subnotificação é enorme, sem dúvida.  Dá para concluir também que, pela quantidade de disparos todos os dias, o número de vítimas não é tão grande.

Gratuito, o aplicativo Fogo Cruzado está disponível em versão IOS e Android. A consulta é aberta e as notificações inteiramente anônimas.  Posto no ar a um mês da abertura dos Jogos Olímpicos, Fogo Cruzado já foi baixado 100 mil vezes.  O site fogocruzado.org.br é outra opção para os interessados.  Em ambos é possível acompanhar o cruzamento de dados, inclusive por meio de gráficos e com recortes por bairro, data ou registro de vítimas.

– Nesse primeiro ano de trabalho, um dos principais diagnósticos é de que, na capital, dentre os dez locais com maior incidência de troca de tiros ou disparos de arma de fogo, oito têm Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).  Isso mostra o quanto é urgente a revisão da estratégia de segurança pública no Rio – explica Cecília.

A jornalista também faz críticas à imprensa, aqui compreendidos as grandes empresas e os colegas de profissão.

– De certa forma, a imprensa também é parte do sistema de justiça, e comete equívocos bárbaros – diz ela, referindo-se ao caso da Escola Base, em São Paulo. Em 1994, notícias totalmente infundadas de pedofilia levaram à falência do estabelecimento e desaguaram num longo processo judicial e na condenação da Rede Globo ao pagamento de R$ 1,35 milhão por danos morais, entre outras sanções pecuniárias.

Cecília ressalta que as corporações de mídia têm grande influência na grade dos cursos de jornalismo, e que esses deveriam ser multidisciplinares.  Aliado a isso – continua –, é necessário acabar definitivamente com a exigência de diploma para o exercício da profissão.  Ela, que já trabalhou no Observatório das Favelas e foi editora do Maré Notícias, se espanta em constatar que há repórteres que sequer conhecem a geografia da cidade e “nem sabem onde fica a Linha Vermelha”. 

A falta de vivência e o alheamento também acabam por influenciar o tratamento dado a notícias sobre tiros. 

– Quase tudo é tratado como tiroteio, como troca de tiros; e muitas vezes é unilateral, um assalto, por exemplo. É por isso que uso as expressões tiroteio ou disparo de arma de fogo, na tentativa de ressaltar a diferença entre as duas situações – completa.

A palestra da jornalista foi a última do ciclo promovido pela subcoordenadoria de Defesa Criminal em parceria com a Fundação Escola Superior da Defensoria (Fesudeperj). Na próxima sexta-feira, 18, os participantes da iniciativa formam uma roda de conversa com o objetivo de avaliar o ciclo e elaborar propostas que colaborem para o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal.



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