Entidades que participaram da audiência apoiaram a Central de Vagas como solução emergencial contra a superlotação

 

Com um total de 986 vagas, as unidades de internação para adolescentes em conflito com a lei no Rio de Janeiro operam bem acima da capacidade e registram, atualmente, mais de 2,1 mil internos. A Central de Regulação de Vagas – elaborada pelos membros da Defensoria Pública (DPRJ), do Ministério Público (MPRJ) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RJ) que atuam na área – pode proporcionar o melhor gerenciamento dos lugares disponíveis nesses estabelecimentos, ao priorizar a aplicação da medida de privação de liberdade para os jovens que cometeram atos infracionais realmente graves e violentos. 

Foi o que esclareceu a defensora Maria Carmen de Sá, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPRJ, nesta quarta-feira (31), na audiência pública que a instituição promoveu com a sociedade sobre a Central de Regulação de Vagas do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). 

A criação da Central de Vagas foi autorizada, no início de maio, pelo Juizado da Infância e Juventude nas unidades de internação da capital, mas uma decisão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, proferida no dia 22 de maio suspendeu o funcionamento do sistema antes mesmo que entrasse em vigor. A Defensoria Pública recorreu contra esta determinação na última segunda (29). 

A audiência pública aconteceu na sede da DPRJ e contou com a participação do defensor público-geral do Estado, André Castro; da promotora de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude do MPRJ, Janaina Pagan; deputados, mães de internos e adolescentes que já passaram pelo sistema. Participaram também representantes da Diocese, do Unicef, do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (CEDCA), do Degase, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Mecanismo de Combate à Tortura, da ONG Redes da Maré, dentre outras instituições. 

A Central de Regulação de Vagas visa a dar mais racionalidade à internação dos adolescentes em conflito com a lei. Segundo explicou Maria Carmen, atualmente é muito difícil saber qual é a pratica infracional mais cometida, já que os internos ficam misturados e não são todas as unidades que produzem essa estatística. O novo sistema visa a possibilitar o controle dos delitos mais praticados – com a geração de relatórios que ajudarão na elaboração de políticas públicas mais eficazes para evitar que os jovens venham ou voltem a delinquir. 

E mais: com a Central de Regulação de Vagas, a aplicação da medida socioeducativa de internação se destinará aos casos realmente graves, assim como prevê a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Isto porque o sistema pontua com mais peso os adolescentes acusados por atos análogos aos crimes de homicídio doloso, de tráfico armado ou que tenham natureza sexual, por exemplo. 

– Há um tempo para o cumprimento da medida. O juiz, ao avaliar a medida de quem está internado há cerca de um ano, por exemplo, e sabendo que há outro adolescente que cometeu um ato infracional mais grave recentemente, poderá colocar aquele jovem em uma medida de meio aberto e assim abrir uma nova vaga no sistema. Esta decisão é judicial e está sujeita ao controle do sistema de Justiça por meio de recursos. E os que vão para o meio aberto, não vão simplesmente para casa. Não se trata de um prêmio. Eles continuarão sob a tutela do Estado – explicou a defensora. 

De acordo com Maria Carmen, as unidades de internação estão na iminência de um colapso em razão da superlotação. Uma saída é justamente fortalecer as medidas de meio aberto, que realmente possibilitem a ressocialização dos jovens em conflito com a lei. 


A promotora Janaina Pagan também criticou a situação das unidades de internação do Rio. Ela destacou a situação do Educandário Santo Expedito, que dispõe de 160 vagas, mas abrigava 540 internos poucos dias antes da criação da Central de Vagas. Segundo afirmou, muitos adolescentes não estudam nas unidades justamente por causa da superlotação. O sistema atual não só impede o desenvolvimento de ações socioeducativas como também contraria a Lei do Sinase, que determina que as unidades abriguem, no máximo, 40 adolescentes.

O defensor público-geral André Castro ressaltou que a situação das unidades de internação no Rio “é, há muitos anos, dramática” e que o debate em torno da criação da Central de Vagas, além de abrir o caminho para a adoção de medidas que possibilitem uma solução, ainda que emergencial, chamou a atenção da sociedade para o problema.

– O tema da Central de vagas, como política de redução de danos, é neste momento absolutamente essencial. Não se pode colocar em um sistema que está colapsado mais e mais adolescentes. Não se pode, em um momento político tão dramático da nossa história, onde os grandes e verdadeiros criminosos são punidos com uma vida de luxo no exterior, jogar meninos em um sistema que não tem nenhuma capacidade de absorvê-los – afirmou Castro.

Presente à audiência pública, o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro Fábio Nogueira afirmou que “a OAB hipoteca todo o apoio à DPRJ” com relação à Central de Vagas. 

Maria de Fátima da Silva, presidente da CEDCA, explicou que a criação da Central de Vagas já havia sido deliberada pelo Conselho em abril do ano passado, justamente em razão das péssimas condições das unidades de internação. 

– A gente vê adolescente sendo internado por até seis meses porque furtou um pacote de biscoito. Vimos um menino de Parati ser internado na capital, a família não tinha dinheiro para visitá-lo porque o juiz entendeu que deveria castigá-lo. Isso fere a lei, que estabelece o convívio familiar. A Central de Vagas vai evitar esse tipo de coisa – destacou. 

A coordenadora do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Rio de Janeiro, Luciana Phebo, destacou o risco de rebeliões nas unidades em razão da grave a situação dos jovens infratores no estado.

– Temos que centrar nossos esforços nas meninas e meninos. Temos que as medidas de meio fechado são excepcionais e de fato socioeducativo. E isso não acontece. Estamos em diálogo com atores para uma solução sustentável. O risco de rebelião está aí – afirmou. 

Texto: Giselle Souza. 

Fotos: Erick Magalhães. 

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Especialistas explicaram que a Central de Vagas fortalecerá as medidas de meio aberto

 



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